terça-feira, março 13, 2007

Paranóia, Paranóia por Srta. Jones

"Doutor, nada disso é real, está tudo na minha imaginação!"

"Mas é claro que não. São problemas reais, com causas reais. É tudo muito simples e claro."

"Não! Está tudo aqui dentro, aqui! Tudo isso só existe na minha cabeça."

"Você está muito estressado, por isso pensa que nada é real. Mas tudo isso existe sim, eu posso ver."

"Não, essas coisas não existem. Eu... eu inventei tudo. É, eu inventei."

"É normal você pensar isso. Você está sob grande pressão, por isso pode ter a impressão de estar tendo ilusões e de que tudo à sua volta é fruto da imaginação. Mas não é o caso."

"Doutor, o que eu tenho que fazer para o senhor acreditar em mim?"

O médico o fita em silêncio. O paciente parecia derrotado.

"Eu não sei mais o que dizer. Eu vou ficar mais..." - o paciente consultou o relógio de pulso - "47 minutos aqui falando a mesma coisa?"

O médico continuou em silêncio.

"Eu vou embora então. Não posso ficar quase uma hora olhando pro senhor em silêncio."

"Fique aí. Relaxe e deixe que as palavras saiam naturalmente, que os pensamentos fluam e se encadeiem de forma orgânica."

"Ahn?"

"Respire fundo, solte bem os braços e as pernas. Relaxe a cabeça, o pescoço, as pálpebras. Repouse as mãos sobre o encosto da poltrona."

"Doutor, o senhor está tentando me hipnotizar?"

"Eu só quero que você relaxe. Relaxe."

"Eh... Tá certo. Eu vou relaxar. Daqui a pouco eu tiro uma soneca também."

"Você não deve adormecer, deve somente r-"

"Relaxar, eu sei."

"Então, pode começar."

O paciente se esparrama na poltrona. O médico o observa com ar de reprovação, mas continua seu trabalho.

"Agora, imagine que você está num belo jardim, cercado de flores de cores e texturas variadas, de diferentes perfumes. Cada flor representa uma característica sua. Agora, pense em como você pode desenvolver cada vez mais essas características."

"A preguiça eu já estou desenvolvendo agora, só de ficar sentado aqui."

"Silêncio!"

"Ok."

"Agora, pense num campo muito verde, muito grande. Olhe para o céu. O que você vê?"

"..."

"O que você vê?"

"Mas eu não tinha que ficar em silêncio?"

"Naquela hora sim. Agora você pode falar. O que você vê?"

"No céu?"

"É, no céu."

"Humm... eu vejo... duas cabras, uma vaca, uma máquina de escrever, duas cadeiras, um terço, um violão, e um homem voando."

O médico olha o paciente com espanto.

"Continue."

"E o céu não está azul. Ele é roxo, com bolinhas amarelas. E as nuvens são verdes."

"Sim."

"E eu inventei tudo."

O médico, irritado, dá um soco no encosto de sua poltrona.

"Você não inventou nada! É tudo verdade!"

"Não, não é! E quer saber, tudo isso aqui é inventado! Esta sala, estas poltronas, os seus livros, aquelas fotografias da sua família. E as minhas neuroses, as paranóias, as manias. Tudo!"

O médico se levanta da poltrona num rompante.

"Você não inventou nada! Nada, ouviu? E pare com essas besteiras. Quem diz se são neuroses ou não sou eu! Eu sou o médico!"

"Eu inventei tudinho. Eu inventei o senhor. Sim, é isso! Você não existe! Eu inventei você!"

O médico não conseguia mais ouvir. Ele se dirigiu à porta.

"Saia, saia! Ande logo!"

"Você não existe. Você está na minha imaginação. Se eu deixar de pensar em você, você deixa de existir por completo."

"Saia! Saia agora!"

O paciente já ia saindo pela porta.

"Pense nisso. Se eu morrer agora, você deixa de existir."

O paciente saiu e o médico fechou a porta em seu encalço. Foi até o banheiro e lavou o rosto. Ao endireitar a coluna, ficou cara a cara com o espelho. Seu reflexo não estava mais ali. Olhou para sua sala e tudo havia sumido. Ele não existia mais.

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