sexta-feira, setembro 16, 2005

Obsolescência por Srta. Jones

[Do lat. obsolescere, 'tornar-se obsoleto', + -ência.]S. f. 1. O fato ou o processo de tornar-se obsoleto. 2. Econ. Redução da vida útil e do valor de um bem (equipamento industrial, p. ex.) devido ao aparecimento de modelo tecnologicamente superior.

Das cinzas às cinzas, do pó ao pó. Tudo o que sobe desce. Nada é para sempre.
Quantos milhares de chavões conhecemos para falar de uma coisa só, uma coisa inevitável, pendente, que chega sem aviso ou que já se espera há muito? Todo mundo sabe o que é ficar obsoleto. Todo mundo um dia vai saber o que é ser obsoleto.

Você conhece algo, dá aquilo por certo, garantido. Como tudo o que é confiável, você espera que aquilo esteja sempre à disposição quando você precisar. Mas eis que algo sempre atropela a tradição. Um trator chamado modernidade.

Eu não sou contra a modernidade. Acho que, como qualquer outra coisa no mundo, ela é algo de que eu devo sempre tentar tirar o melhor, e se em algum momento ela se volta contra mim, eu a afasto até tudo voltar ao normal. Eu gosto de tv's, computadores, internet rápida, celulares de tela colorida e toques polifônicos. Mas se a evolução se transforma num jogo de rotatividade impossível de acompanhar, eu simplesmente desisto. É assim que se delineia o limite entre ser uma consumidora capitalista do Ocidente e um caso para os "Consumistas Anônimos".

Nunca abri mão de desejar e idealizar objetos que estão na minha vida antes mesmo de ter tamanho suficiente para comprá-los eu mesma. Até hoje eu adoro os Ursinhos Carinhosos, a Moranguinho (aliás, brinquedos que estão prestes a voltar para as lojas. Crianças, me aguardem), penso na época (que eu vivi, garanto) em que os cosméticos da Helena Rubinstein eram baratos (agora nem mais são importados no Brasil) e lembro do vídeo cassete da Philco-Hitachi (quando ainda existia a Philco-Hitachi). Cresci com crença e confiança em produtos que minha mãe (e provavelmente minha avó também) sempre avalizou. Pomada Hipoglós, Leite de Colônia, Creme Nívea, Creme Ponds. (Antes de continuar, não, esta "crônica" não foi inspirada no mais recente arroubo de saudosismo do Xexéo. Um caso real de "dei com a porta na cara" me motivou a escrever estas linhas.)

Eu sou alérgica, muito alérgica. Muitas pessoas já me perguntaram se eu uso cremes no rosto, porque, dizem elas, (um pouco de vaidade é preciso) eu tenho uma pele "ótima". Não, eu não uso cremes no rosto, justamente por ser tão alérgica que nem mesmo desodorante com fragrância pode entrar na minha higiene diária. Mas eu vivo numa cidade que, além de razoavelmente poluída, me presenteia com mudanças de tempo tão constantes quanto bruscas, levando meu rosto ao desagradável mundo do ressecamento (e das rugas prematuras em torno dos olhos). Sempre recorri às escolhas seguras quando se trata da pele do meu rosto, porque qualquer coisa ousada pode causar um erro fatal. O creme Ponds (assim como o Nívea que, verdade das verdades, não tem efeito nenhum no meu rosto a não ser uma oleosidade indesejável) foi uma dessas escolhas seguras quando eu tinha os meus 15, 16 anos. Era uma coleção de potinhos charmosos, baratos e que duravam uma vida. E que realmente funcionavam.

Pois bem, o tempo passou, o Rio não mudou e muito menos a minha pele alérgica. Então eu ainda enfrento as eventuais placas vermelhas e descamações com desconfiança nos produtos muito modernos e fé nos creminhos velhos de guerra de farmácia. Nada realmente faz milagres, e nada até hoje salvou completamente a minha pele dos acessos de alergia (a não ser a pura sorte e os genes), mas eu sempre soube que podia contar com uma ou duas opções que amenizariam o problema. E eu precisei de uma dessas soluções há uns meses atrás. E eu não encontrei.

Sempre acreditei que esse dia iria chegar. DMAE, Vitamina C, todas essas novidades que emplacam, ano após ano, nas prateleiras de (cada vez mais) farmácias - tornando, senão banais, pelo menos um pouco menos inacessíveis as águas da fonte de juventude que jorra com cremes que custam entre R$100 e R$900 - iriam derrubar, um por um, os que ficassem para trás no jogo darwinista da tecnologia. O creme Nívea, eu imagino, ainda se agüenta nas pernas porque a cada ano o laboratório na Alemanha adapta alguma novidade que já é notícia velha no circuito dos cosméticos de luxo. Mas o que fazer quando tudo que você põe no mercado são produtos para o rosto que já têm centenas de similares mais chamativos e "eficazes" (leia-se "propaganda mais sensacionalista")? Mesmo que esses similares não estejam à altura, a propaganda é a alma do negócio, e se você não muda a embalagem e chama alguma atriz para fazer o comercial na tv, seu produto já era, baby. Você perdeu.

E eu perdi. Fui à farmácia um dia, cheia de esperança, procurei nas prateleiras de cremes, procurei até em outras prateleiras, até que resolvi perguntar a uma vendedora. "Vocês têm Creme Ponds? Aquele dos potinhos pequenos?", e ela responde "Ih, já faz um tempo que não vem aqui pra loja." (Tá, isso acontece, você quer um determinado produto e tem certeza de que vai encontrá-lo em qualquer lugar, mas não encontra em lugar algum. Não quer dizer que o tal produto não exista mais, é só um problema na distribuição ou coisa que o valha.) Eu não desisto, vou a outra farmácia. Procuro nas prateleiras, não acho. Pergunto à vendedora. Ela responde:


"Saiu de circulação."


As três palavras mais aterrorizantes que você pode ouvir num momento desses. Mas não é possível. Como assim, "saiu de circulação"? Deve haver algum lugar que ainda tenha o creme no estoque. Eu não posso estar tão atrasada assim na novela da evolução tecnológica. Então, eu vou à outra farmácia. Nem olho direito nas prateleiras e já vou perguntando à senhora de uniforme. "Não é fabricado mais, não tem não."

É. Como o fim de um romance, acabou. Não tem volta. O seu produto dos sonhos de infância sumiu no mundo e não deu notícias. Desista. Compre a primeira coisa de aparência confiável que você encontrar. No seu íntimo você sabe que nada nesse mundo é substituível mas a necessidade faz a mulher e você precisa. Se não servir, continue procurando. Perde-se o sapatinho de cristal, mas sempre se pode encontrar um chinelinho de dedo que alivie a dor daquelas bolhas que o sapato lindo, maravilhoso, novo e duro te deixou. Nessas horas, e para o resto dos dias, vale sempre mais um chavão. "A vida é um eterna busca."

terça-feira, junho 14, 2005

Desencanto por Srta. Jones

É, desencantei. Sabe aquele momento em que você percebe que nada mais é como antes? Você quer dizer as palavras que surgem em torrentes no seu pensamento mas percebe que não tem com quem falar. Todos estão tão vivos e ocupados e realizados e a sua existência é um grande saco de nada. Nada acontece e você não deixa nada acontecer. Mas você quer que aconteça. E sabe que, quando chegar a hora, não será algo pequeno. Será uma reviravolta.

Eu ligo para ele porque quero saber da sua vida. Quero sentir que ainda pertenço a algum lugar, a alguma história, mas ele me empurra para cada vez mais longe. Eu tenho estado cada vez mais ausente de sua narrativa. Ele não diz meu nome, eu não existo nos seus relatos. Eu sou a versão sentimental da não-pessoa. Eu não sou e não participo. Ele vive, eu assisto.

O que eu deveria fazer quando amo e não sei se sou amada? Quando admiro e definitivamente não sou admirada? Ele nunca tem palavras de afeto para mim. A minha condição está cada vez mais ameaçada. Ele ressuscitou um fantasma do passado e o colocou entre nós dois. Ele não sabe que eu descobri. Tem me retirado cada vez mais das suas linhas e de seus minutos. Toda mulher sabe, quando o seu homem não tem mais tempo para ela, alguma coisa está errada. Ele nunca tem tempo para mim. E eu sempre estou errada em pedir mais.

O dia definitvo chega em uma semana. Eu preciso estabelecer um limite para o meu sofrimento. Ele precisa me fazer saber a verdade, seja ela qual for. Quanto tempo mais ele consegue me manter na espera? Eu me enganei acreditando que o problema era comigo, mas algo acontece com ele. Por que ele não teve coragem de me dizer? Temia minha reação? Minha desconfiança? Ele me magoou por não me contar. Ele me fez pensar que suas intenções não eram as melhores. Por que esconder se não é nada de mais?

Ele valoriza os minutos que passa com ela como um homem que conta os dias para ver sua escolhida. Se eu não soubesse o que este fantasma representa, não sei se iria me importar. Talvez sim, mas tudo isso é mais significativo e doloroso porque eu conheço a história. É um passado do qual não faço parte e, temo eu, ele quer reviver. Eu sou o presente e uma expectativa de futuro. Ela é um passado frustrado e não-realizado que ainda o atormenta. Eu não tenho lugar nesta história de amor. Eu sou a outra. Eu sou aquela que nunca deveria ter sido.