sexta-feira, fevereiro 23, 2007

O Salto por Srta. Jones

"Pula."

"..."

"Pula, vai."

"M-mas..."

"Mas nada, pula!"

"M-mas e se der errado?"

"Como, dar errado? Por que você veio até aqui então?"

"Eu achei que devia."

"Você não tem que achar, você tem que ter certeza. O que você vai perder se pular? Você já está aqui!"

"Mas agora eu não sei mais..."

"Você pensou durante quanto tempo? Quanto tempo até se decidir? Aposto que deve estar há um ano pesando os prós e contras. Não pode ser assim, tem que decidir, já."

"Um ano não. Menos."

"Há, 'um ano não, menos'. Grandes coisas, que diferença faz? O problema é que você pensa demais."

"Mas eu tenho medo."

"Medo? Se você realmente tivesse medo, não teria vindo até aqui. Aqui é lugar de corajosos. Quem pula daqui de cima, ao contrário do que dizem lá embaixo, não é louco."

"Eu sei. Eu.. acho que sei. Mas e se não for como eu quero que seja? E-eu queria fazer isso para ser livre."

"Mas você já é livre! É isso que você não consegue entender. Você é livre porque teve coragem suficiente pra subir."

"Eu não quero pular."

"Há, você é impossível. Agora eu entendo porque todos desistem. Você espera demais!"

"Do que você está falando? Quem desiste?"

"Todo mundo. Todo mundo desiste de você, e quem ainda não desistiu, vai fazê-lo um dia, pode ter certeza."

"Eu não acho que as pessoas desistam de mim. Você acha?"

"Eu sei que elas desistem! Eu quero desistir. Você espera demais."

"Mas eu preciso pensar."

"Não! Não, não, não! Você já pensou. Você já decidiu. Não tem como voltar atrás."

"Mas é claro que tem."

"Só se você quiser ser um covarde."

"..."

"..."

"Eu vou pular."

"Isso! Vai! Pula!"

"A corda tá firme?"

"Sempre!"

"É agora."

"Vai com Deus."

domingo, fevereiro 18, 2007

Enredo por Srta. Jones

Ela voltou ao hotel, já bem tarde. Não sentia fome, mas queria ir ao restaurante porque acreditava na chance de encontrá-lo novamente. O dia todo foi gasto pensando nisso. Não se concentrou em livros, nem nos passeios pela cidade. As horas giravam todas em torno de um encontro que não estava marcado, e que podia não acontecer. Mas era a sua vontade.

Ela tomou um banho rápido e se arrumou. Ainda esperou por um tempo porque queria deixar a fome chegar. "Preciso de mais motivos para ir jantar agora", pensou. Mas a fome não chegava e ela decidiu partir assim mesmo.

Havia mais clientes no restaurante do que o habitual. Três ou quatro mesas estavam ocupadas, e novamente ela escolheu a que estivesse mais próxima da tv. O mesmo garçom a atendeu e já sabia o que ela iria pedir, e que ela preferia que a salada viesse junto com o prato principal. Enquanto esperava, não tirou os olhos da porta. Os minutos iam passando, o telejornal acabou, começou a novela, e nada. Talvez ele não viesse hoje. Ela só podia desejar.

O jantar chegou e ela continuava sem apetite, mas precisava comer. Àquela altura a comida lhe parecia repugnante, tamanha era a sua vontade de esquecer o jantar e se preocupar apenas com o que lhe interessava. Aquele rosto que estava gravado a ferro em seu pensamento, os gestos quase vagarosos e a atenção sublime ao simples ato de mastigar. Aquilo era mais importante que todo o resto, inclusive a comida.

O seu desânimo crescia à medida que os outros clientes iam se agitando com o desenrolar da novela. Ela não se importava com nada, estava vivendo seu próprio folhetim onde pareciam não faltar todos os elementos dramáticos da espera e da paixão. "Mas, paixão? Já?" Ela mesma se espantou com uma pretensa verdade mal disfarçada na sua falta de apetite. Encanto, enlevo, arroubo, talvez até mesmo paixão. Nomes diferentes para um só problema. Ela não queria mais comer. Mas a esse ponto ela conseguia, a duras penas, controlar certos caprichos e ceder a necessidades. "Afinal, eu vim aqui para isso."

E então ela comeu. Devagar, como sempre, talvez mais devagar que o habitual. Desistiu de olhar para a porta a cada 30 segundos e se concentrou no que estava fazendo. A novela acabou e os clientes começaram a sair, até que sobraram apenas ela e os garçons. Naquele momento ela havia recuperado o controle do que acontecia, ela novamente decidia os rumos de sua trama romanesca. E mesmo que ele não viesse, ainda assim ela terminaria seu jantar e não esperaria mais. Voltaria para o hotel e teria outra noite tranqüila de sono, adormecendo com fones ainda presos ao ouvido.

"Mas e se ele vier?"

O apetite cedeu mais uma vez. Uma garfada ficou suspensa no ar. Ela levantou os olhos em direção à porta e o viu. Estava com o mesmo casaco da noite anterior. Como antes ele houvesse entrado no restaurante totalmente desapercebido do ambiente, desta vez ele notou sua presença. Naquele momento ela só atentou para sua chegada, mas minutos depois, relembrando o instante decisivo, entendeu o que seu olhar estava realmente dizendo. Era como se ele houvesse visto algo que não esperava, que não estivesse preparado para ver. Como se quisesse dizer algo, mas as palavras faltavam. E assim ele a olhou outras vezes naquela noite. E numa conversa muda, eles pareciam, aos poucos, se entender.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Achado por Srta. Jones

Era a terceira noite em São Paulo. Os dois primeiros dias foram difíceis. Ela sentiu solidão e arrependimento e só o frio aplacava os pensamentos ruins. Sentia um nó cego descendo e subindo pela garganta e às vezes chegando no coração. Mas no fim da segunda noite algo aconteceu e ela esqueceu de tudo.

Havia um restaurante a duas quadras do hotel e ela jantava lá desde que chegara. Só havia dois garçons e era sempre o mesmo que a atendia. Ela escolhia a mesa mais próxima da televisão e esperava a refeição chegar, assistindo a alguma novela ou telejornal. No primeiro dia não havia clientes, mas naquela noite apareceu alguém. Ele estava sozinho e parecia não ser da cidade. Não devia ter percebido nada, pois sentou a três mesas de distância, mas ela acompanhou cada movimento seu da porta até a cadeira. Mesmo que ela não quisesse, não poderia deixar de olhar e não sabia dizer porquê. O jantar chegou.

Enquanto mastigava e ouvia uma notícia na tv ela observava. Ele tinha gestos contidos e não tirava os olhos da mesa. Fosse ela mais ousada iria até ele e se convidaria para sentar, mas ela não tomava certas atitudes. Preferia vê-lo de longe, como sempre fazia. Era como estar num museu e, no meio de objetos sem sentido ou valor, encontrar um quadro de Dalí. Ela contemplaria até seus olhos fecharem de cansaço e suas pernas adormecerem com cãibras. Talvez ela consideraria por alguns segundos falar com ele na saída, e consideraria outras coisas mas, como de hábito, ela não faria nada.

Ele terminou de comer, pagou a conta e saiu. Ela ficou paralisada por uns instantes porque lá dentro do seu cérebro ela ouvia risadas e galhofas contra sua atitude sempre infantil e sempre passiva de achar que certas coisas e pessoas são feitas apenas para serem vistas e nunca tocadas. Ela se comportava como se estivesse sempre naquele museu de bugigangas e um Dalí. Um elefante numa loja de porcelanas, o velho clichê. De novo, as risadas venceram, e ela continuou sentada, vendo televisão.

Quando chegou no quarto do hotel, jogou-se na cama e pensou no que tinha feito. E enquanto decidia se era ou não uma idiota, percebeu que o rosto dele não saía de sua mente, e nem a curiosidade sobre de onde ele tinha vindo. E que, talvez, se ela quisesse muito, ele estaria lá amanhã novamente. E esse pensamento puxou outros e ela dormiu, sem saber se afinal era mesmo uma idiota. Até porque isso não importava.

E no dia seguinte tudo em que ela conseguia pensar era ele. E se iria encontrá-lo de novo, se ele estaria lá. Se ele se sentaria na mesma mesa, ou se, percebendo sua presença, escolheria um lugar mais perto. Ela tomou o café da manhã e leu os jornais e caminhou pela cidade sempre com os mesmos pensamentos. E assim mais uma noite chegou e ela, presa nas divagações, ainda não sabia, mas estava completamente perdida.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Princípio por Srta. Jones

"Essa é a última leva."

Ele entrava no quarto pela quinta vez. Já havia levado um armário, uma guitarra, algumas peças de roupas, dvds e livros que estavam emprestados há meses e agora pegava seus pôsteres. Era tudo.

"Então, eu soube que você vai viajar."

"Um-hum. Vou."

"Pra São Paulo, né?"

"É, pra São Paulo."

"Quando você voltar, a gente pode almoçar juntos, conversar."

"É, pode ser. Quando eu voltar."

"Bom, eu já vou. Eu ainda tenho que ir trabalhar hoje."

"Ok. A gente se fala."

"A gente se fala. Tchau."

"Tchau."

Ela fechou a porta e voltou para o sofá. Estava lendo o jornal quando ele chegou para levar tudo o que dele tinha ficado por lá. Eram tantas coisas, que ficaram tanto tempo em sua casa, e pareciam que de lá nunca sairiam. Mas elas saíram.

Ela não estava triste. Estava aliviada, na verdade. Era como se o ato de levar embora tudo o que ele havia deixado colocasse o ponto final que faltava. Até então, a frase parecia não estar terminada. Agora estava.

Ela não tinha muito a fazer naquele dia. Terminou de ler o jornal, tomou seu café, ligou a televisão, e assim ficou até a hora do almoço. Depois disso deve ter dormido ou lido algum livro, ela não se lembra. Quando a noite chegou, ela teve medo. Achou que o vazio que a vinha acompanhando há mais de um mês lhe estragaria o resto das horas. Ela não queria se isolar num misto de auto-piedade e desespero, então resolveu tomar um banho. Fazia frio e o calor da água embaçou o espelho. Quando ela voltou ao seu quarto, viu que alguém havia ligado para o seu celular. Era um amigo que devia estar bêbado em algum bar, esperando que ela fosse até ele prestar solidariedade. Ela não bebia, e não gostava de estar perto de gente bêbada. Mas ela não queria ficar ali.

"Vou sair."

Ela se vestiu rapidamente e verificou como estava o tempo. O frio havia aumentado. Ela foi até a cozinha e encheu um copo de plástico comum com café. Voltou ao quarto, vestiu seu casaco, jogou a echarpe rosa sobre os ombros e saiu. Ela estava livre.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Pó por Srta. Jones

"E daqui a trinta anos, como vai ser?"

"Nós estaremos juntos."

"Eu sei. Mas e os nossos filhos? Nós vamos ter filhos?"

"Talvez. Quantos você quer?"

"Quantos couberem num abraço."

"Dois, então."

"Dois, então."

"Por que você sempre acorda linda?"

"Como eu posso saber? E se você acha que eu fico linda de olhos inchados e cara amassada, você precisa ir ao oftalmologista."

"Você acorda linda. Sempre com um sorriso."

"E sempre do seu lado. Isso explica muito."

"E eu sempre acordo de mau humor. Mas aí eu viro na cama e vejo você. Não dura nem um segundo."

"Vai ser assim daqui a trinta anos?"

"Daqui a trinta anos, cem, cinco ou seis mil. Não importa quanto tempo."

"Imagina se um terremoto acontecesse agora, nesse instante, e toda cidade virasse pó. E daqui a muitos mil anos os arqueólogos viriam até esse lugar e encontrariam os nossos esqueletos."

"Abraçados, assim."

"Abraçados."

"A gente ainda tem trinta minutos. Vamos dormir mais?"

"Você dorme. Eu vou ficar acordada vendo você dormir."


E então a terra tremeu e tudo virou pó. Menos o amor.