terça-feira, maio 22, 2007

O Passo por Srta. Jones

Xxxxx, 18 de Janeiro de 1949.


Sinto saudades de velhos amigos. Pessoas que há tanto tempo não vejo e não ouço. Recebo tantas cartas, tantos telefonemas, e mesmo assim continuo esperando que aqueles de quem mais nada sei possam aparecer para mim a qualquer instante.


Há tantos dias que não escuto mais o riso das crianças. Não sei se já foram embora, ou se estão apenas caladas. Elas costumavam brincar todos os dias em frente ao meu jardim, mas eu nunca as via. Somente ouvia seus gritinhos excitados e felizes, suas brincadeiras divertidas e, às vezes, um pouco violentas. Talvez elas tenham retornado à sua casa, à sua escola. Talvez estejam apenas descansando ou ouvindo histórias de terror. Espero que não seja algo pior.


Não sei quanto tempo faz exatamente que não vejo a luz do sol. Todas as cortinas estão cerradas e nunca me aproximo das janelas. Fico somente observando, de longe, a paralisia muda do cetim vermelho, esperando que o vento sopre e faça tudo em volta balançar. Minha pele está sempre fria e meus pés necessitam de constante atenção. Ando sempre com meias as mais pesadas. Não passarão muitos dias e também minhas mãos estarão congeladas. Preciso colocar logo minhas luvas.


Não me lembro quando fiz uma refeição pela última vez. Lembro-me apenas de, há alguns dias, ter-me sentado à mesa e imaginado estar envolto por alegres convivas, que bebiam e sorriam e brindavam à minha saúde. Divertiam-se como os convidados de minha última festa. Tudo passou tão rápido, o tempo, a festa, a alegria, os momentos de felicidade e íntima paz. Estávamos todos prestes a nos perder, porque os dias passariam e tudo o que conhecíamos de familiar e perfeito mudaria. Nada é hoje como havia sido até poucos momentos atrás. Todo o nosso conforto, tudo evaporou.

Por isso, hoje, estou vagando por esta casa, sozinho. Disseram-me que deveria esperar, pois, a qualquer momento, poderia ser minha vez de partir. Fecharam minhas janelas e colocaram pesados cadeados em minhas portas. Recebo cartas e telefonemas mas fui proibido de responder. Instruíram-me a aguardar em silêncio, enquanto não chega minha vez. Escondi meu diário para que não pudessem me privar deste último prazer. Escrevo para que algum dia, no futuro, um espírito curioso encontre estas páginas e saiba exatamente como tudo aconteceu. Quero deixar registrado aqui que eu, Y, estou prestes a embarcar em uma viagem muito longa sem destino definido. Não sei quem serão meus companheiros de empreitada, e nem quem me receberá em meu destino. Não sei mesmo se esta não será minha viagem derradeira. Ignoro o que planejam para mim, mas sei que esta é uma viagem que preciso fazer. Há muitas luas me disseram que este dia chegaria. E não importam os sacrifícios que hoje preciso fazer, esta é minha missão e cumpre a mim realizá-la a contento. De todas as minhas obrigações, esta é a única da qual não posso de nenhuma forma fugir. Tenho me preparado para o momento desde o dia em que me foi dado conhecer que iria partir. Pode acontecer a qualquer minuto. Não temo. Desde há muito tempo, estou pronto para ir.

terça-feira, maio 08, 2007

O Plano por Srta. Jones

"Quer dizer que nós podemos?"

"Sim, nós podemos."

"Mas será que não vai dar problema? Quer dizer, a gente não vai parar na cadeia por causa disso, né?"

"Bem, acho que não. Ah, e também não importa."

"Como assim, cara, 'não importa'?! Se isso vai colocar a gente em cana então eu vou pular fora."

"Ah, larga de ser covarde. A gente pode fazer isso."

"Mas e sem alguém vir? E se algum vizinho der com a língua nos dentes, o que a gente faz?"

"Foge."

"Ah tá, como se fosse fácil, assim. A polícia acha a gente em qualquer lugar, cara."

"Acha nada. Fora que eles vão até achar bom se a gente fizer isso. A gente vai prestar um serviço à comunidade."

"Pára de brincar, cara. O negócio é sério."

"Tá, parei. Mas olha, pensa assim: o importante é que a gente pode, e deve. Se a polícia vai ficar sabendo, aí já é outra história."

"É, pode ser. Eu sei que a gente pode. Eu só fico com medo de isso dar a maior merda depois. Sabe como é, eu tenho os meus filhos pra criar. Não posso deixar minha família na mão."

"Tudo bem, mas a gente dá um jeito de se safar se o negócio ficar esquisito pro nosso lado. Eu tenho os meus contatos, cara. Eu me garanto e ainda coloco você na fita também."

"Beleza. Se é assim..."

"Então, tá combinado?"

"Combinado."

"Assim é que se fala. Você sabe que a gente pode."

"É, a gente pode mesmo. Amanhã a gente vai linchar o proprietário."

***

Inspirado em "Let's Lynch the Landlord", dos Dead Kennedys. A autora desde já se declara contra linchamentos e qualquer outro tipo de agressão física, verbal, auditiva ou visual.