segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Sacrifício? Mas que nada... por Srta. Jones

Muita gente sabe o que é ser fã. Fã "de verdade", que tem obra completa e vai até o fim do mundo por uma chance de ter mesmo o mínimo contato com o que se idolatra. É fácil se debruçar de coração aberto sobre um livro ou disco que nos marque em algum momento de nossas vidas. Difícil é estabelecer o limite que separa a admiração apaixonada do fanatismo infantil.

Esta é a história de uma fã. Uma fã do U2. Oportuno falar sobre isso agora, não? Mas, por isso mesmo, a história deve ser contada. É o momento que cria a oportunidade perfeita.

Sou fã desde os 11 anos. Conheço a banda há mais tempo, mas o estalo, o momento mágico, veio no começo dos anos 90. Foi o descortino de uma luz que sempre esteve presente, escondida em algum lugar. Amor à milionésima vista.

A minha história como fã é longa, e certamente aborrecida. A virada na minha rotina de ouvir U2 religiosamente todos os dias e rezar por uma chance de vê-los num show veio em 1998. O ano da primeira apresentação da banda no Brasil. Eu era adolescente e minha vida era um recorte de várias músicas do grupo. O dia que eu esperei com o ardor de uma debutante chegava no final de janeiro. Tudo de que eu precisava era ter o ingresso em mãos.

Nada poderia ter sido mais fácil. Naquela época, gostar de U2 não era algo muito bem visto entre adolescentes (trocando em miúdos, não era "legal" ouvir U2). O rock não passava por um bom momento, não havia muito público entre os jovens de classe média e ser "roqueiro" era nadar contra a maré. Talvez isso explique a absurda facilidade com que eu adquiri o tão desejado ingresso. Foram pouco mais de 20 minutos de espera. Eu era, se bem me lembro, a quinta pessoa na fila. Saí da loja R$50 mais pobre e infinitamente mais feliz. Eu flutuava a caminho de casa.

Por tudo isso, em 2006, oito anos depois, eu previ dificuldade apenas média para adquirir minha entrada para o novo show da banda no Brasil. Estou consciente da nova onda de fanatismo dedicado ao U2, mais avassaladora do que a de 98. Pessoas dormindo nas filas, gente que veio de outros estados para comprar aqui no Rio as entradas para o show do dia 20. Acreditando que as vendas começariam em 14 de Janeiro, lá fui eu com uma amiga ao supermercado em Copacabana. Chegamos por volta das 10h e não vimos ninguém. Estranho. Muito estranho.

Entramos. Dirigi-me à primeira pessoa de uniforme que encontrei e perguntei sobre a venda de ingressos. "Não é hoje, só começa na segunda." Ah, internet! Quantas informações desencontradas você fornece.

Voltamos, eu e minha amiga, na segunda, dia 16. Chegamos mais cedo, por volta das 9h20, e nos deparamos com uma fila que, desculpe o clichê, parecia não ter fim. Dobrava a esquina, e quase chegava à praia. Nos posicionamos naquilo que era o final da fila, pacientes, resignadas, esperançosas.

Sete horas, uns trinta reais e muito sol na cabeça depois, sair da fila parecia ser a única opção viável e racional. O show do U2 seria só no dia 20, mas o espetáculo já havia começado. A "organização" foi de tal maneira pouco profissional que não havia sequer uma pessoa encarregada de nos passar informações sobre o que ocorria de verdade e sobre o início real das vendas. Sabe a fila do INSS? Guardadas as (muitíssimo) devidas proporções, estávamos na versão "show de rock" de uma delas.

Quando decidi sair da fila, de mãos vazias, com dor nas pernas e queimada de sol, não só abri mão de conseguir um ingresso. Também estabeleci a fronteira de minha paixão. Fiz sacrifícios pelo U2 em 98, mas nenhum deles me humilhou e arruinou minhas esperanças. Espera em vão não é a mesma coisa que esperar muito por algo que é certo. Não é mesmo.

Para quem sonhava acordada com o show, a maratona do dia 16 foi uma balde de água com gelo ártico. Não sei se é a idade (tá, não sou velha, mas também não sou uma garotinha), mas o meu entusiasmo hoje é bem mais vulnerável às influências externas. Seria fácil desistir de ir ao show, mesmo com todo o "fanatismo". Eu cheguei a fazê-lo algumas vezes, mas sempre mudava de idéia.

Ao saber que as vendas para o segundo show seriam por telefone, o nível de vontade de ir diminui um pouco mais. Porém, é teoricamente mais fácil ficar horas com um telefone grudado ao ouvido do que em pé numa fila num dia de alto verão.

Foram aproximadamente quatro horas de muito "tu-tu-tu...", "desculpe, nosso sistema está indisponível no momento" e "todos os nossos troncos estão ocupados, por favor, tente mais tarde". É cansativo, é frustrante, e é um jogo de azar. E, por sorte (e teimosia), às 23h57 do dia 5 de Fevereiro, eu fui provavelmente uma das últimas pessoas a adquirir um par de ingressos para o show do U2. Depois da epopéia em busca da entrada perdida, o mínimo que eu esperava conseguir era um ingresso de pista. Mas até nisso eu fui passada para trás. Literalmente. Tive que me contentar com ingressos de arquibancada.

Amanhã, por volta das 21h, se você ligar para minha casa e não me encontrar, não se preocupe. Estarei sentada (ou tentando sentar) numa arquibancada do setor vermelho do Estádio do Morumbi, em São Paulo.