sábado, março 10, 2007

Nervos por Srta. Jones

"Eu não agüento mais as mulheres!"

Ela entornou mais um gole da vodka.

"Se elas não estão te perguntando se estão bonitas ou não, elas estão falando pela milionésima vez sobre algum cara que tá andando pra elas. E se elas não estão fazendo nem uma coisa nem outra, elas estão como eu, bebendo e alugando o ouvido de vocês."

Seus dois amigos a observavam achando graça e ao mesmo tempo espantados com uma cena até então inédita. Ela nunca bebia e certamente nunca havia ficado bêbada na frente deles.

"E pra piorar, eu tô aqui curtindo um projeto de dor de cotovelo e nem posso fazer como elas e encher o saco de alguém com isso, porque eu não sou assim. Eu não vou alugar ninguém por causa de problemas com homens. Eu detesto isso!"

"Mas você pode falar com a gente. Vai, fala."

"Falar o quê? Que eu tenho sido sistematicamente rejeitada no jogo amoroso? Que eu só levo nota zero? Que em todos os lugares que eu vou os homens só me olham e não tomam nenhuma atitude? Que os homens que me interessam são uns frouxos? É isso que vocês querem ouvir?"

"Ué, mas se são esses os seus problemas, então é isso que a gente quer ouvir mesmo."

"Eu cansei, sabe. Eu cansei. Outro dia um sujeito me olhou numa festa e eu fiquei procurando ele por umas duas horas. Quando ele já tava indo embora, eis que o panaca veio até mim e disse que eu era linda. Era de se esperar que no mínimo ele me desse um beijo, mas o que ele fez? Nada. Zero. Ele foi embora e eu fiquei lá, com cara de palhaça, olhando ele ir."

"E por que você não fez nada?"

"Porque eu sou uma idiota! Você já não sabia disso, caramba? Existe uma coisa chamada senso de oportunidade e ela não está no meu vocabulário comportamental. Sacou?"

"Um-hum."

"Eu sou uma estúpida, uma tapada. E só os homens que não me interessam olham pra mim. Tirando esse mané que disse que eu era linda. Ele era um gato."

"Mas será que você não é exigente demais?"

"O quê? Como é? Exigente demais?! Cê tá de sacanagem! Você quer que eu fique com qualquer um, só pra não voltar pra casa de mãos abanando? Eu não sou homem! Vocês é que fazem isso."

"Nem todos."

"Ah, nem todos o cacete! Vocês são todos iguais. São todos malucos, burros, confusos, indecisos ou covardes."

Os amigos sorriam e não retorquiram às acusações. Ela tomava mais um gole da vodka quando seus olhos bateram em alguém. Ela paralisou por um momento. Engoliu o resto da vodka, aprumou-se na cadeira e ajeitou os cabelos. Os amigos viraram na direção em que ela estava olhando.

"Quem tá aí?"

"Ele. Ele, o tal."

"O que te chamou de linda?"

"Não. O diabo com cara de anjo."

Seus amigos não entendiam. Ela levantou da cadeira e foi em direção a um grupo de rapazes. Ela se aproximou de um deles e o cutucou no ombro.

"Olá, moço!"

"O-oi."

Ele sorria constrangido. Ela flutuava em toda a coragem que a bebida lhe dava.

"Quem diria. Com tantos outros lugares mais prováveis e a gente se encontra logo aqui. Eu tô ali naquela mesa bebendo com os meus amigos. Quer dizer, só eu estou bebendo, eles estão só me acompanhando. Sabe como é, conversa de bêbado às vezes pode ser interessante. Mas é curioso encontrar você aqui, não? Porque era justamente sobre você que eu estava falando. Quer dizer, não exatamente você, mas homens, de uma maneira geral. Como vocês confundem a cabeça até da mais centrada das mulheres. A minha, por exemplo. Olha, está por aqui de confusão. Eu tive até que beber pra ver se colocava algumas das idéias no lugar certo, porque eu estava com uma certa dificuldade pra pensar. Coisas demais na minha cabeça, sabe como é? Pensar demais é ruim pra cabeça de qualquer um. Mas como eu ia dizendo, eu tava falando de você. Tava falando com eles sobre a maluquice que é tentar entender o que vocês pensam, o que vocês querem. Quando eu te vi, eu disse pra eles que você era o diabo com cara de anjo. Essa sua carinha de bobo é a perdição de várias garotas. Eu aposto que você já partiu o coração de um monte de meninas com o seu ar inocente. Mas elas eram meninas. Eu sou uma mulher. Falta muito pra você partir o meu coração. Essa carinha de anjo não basta."

Ele não reagiu. Ela continuava seu sermão.

"Outro dia mesmo um cara me disse que eu era linda. Olha só isso, linda, eu. Linda, inteligente, articulada, o escambau. De que isso me adianta? De quê? Se ninguém souber dar valor a isso tudo, então não serve de nada. Se só os caras errados repararem essas coisas, então eu estou frita. É melhor ir pra um convento."

"Mas, sabe de uma coisa? Que se dane. É, que se dane. Eu disse pros meus amigos que eu não tenho senso de oportunidade. Pois bem, eu acabei de tomar uma atitude. E sabe do que mais? Eu não tô nem aí se vai dar certo ou não. Eu não quero saber. Eu tô jogando xadrez com a vida. Eu fiz o meu movimento e agora é a vez de vocês, homens, jogarem. E se não jogarem, o problema é de vocês. Eu desisto. Vou jogar uma mochila nas costas e procurar o Satori. Vou virar monja budista!"

Um de seus amigos, ouvindo seu agora escândalo, se aproximou.

"Vamos voltar pra mesa, vamos."

"Vamos sim, eu só tava terminando de explicar pro moço aqui que eu desisti de entender o gênero de vocês. Por mim os homens podem ir todos pra Marte e fundarem uma grande colônia gay por lá. Quem sabe assim vocês não serão felizes, hein?"

"Vamos, vamos."

Seu amigo a pegou por um dos braços e a levou de volta pra mesa.

"Você tem certeza de que conhecia o sujeito? Será que você não tava falando com o cara errado?"

Ela virou para trás e viu o diabo com cara de anjo ir embora, como se nada tivesse acontecido.

"Vocês são todos iguais. Todos."

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