domingo, fevereiro 18, 2007

Enredo por Srta. Jones

Ela voltou ao hotel, já bem tarde. Não sentia fome, mas queria ir ao restaurante porque acreditava na chance de encontrá-lo novamente. O dia todo foi gasto pensando nisso. Não se concentrou em livros, nem nos passeios pela cidade. As horas giravam todas em torno de um encontro que não estava marcado, e que podia não acontecer. Mas era a sua vontade.

Ela tomou um banho rápido e se arrumou. Ainda esperou por um tempo porque queria deixar a fome chegar. "Preciso de mais motivos para ir jantar agora", pensou. Mas a fome não chegava e ela decidiu partir assim mesmo.

Havia mais clientes no restaurante do que o habitual. Três ou quatro mesas estavam ocupadas, e novamente ela escolheu a que estivesse mais próxima da tv. O mesmo garçom a atendeu e já sabia o que ela iria pedir, e que ela preferia que a salada viesse junto com o prato principal. Enquanto esperava, não tirou os olhos da porta. Os minutos iam passando, o telejornal acabou, começou a novela, e nada. Talvez ele não viesse hoje. Ela só podia desejar.

O jantar chegou e ela continuava sem apetite, mas precisava comer. Àquela altura a comida lhe parecia repugnante, tamanha era a sua vontade de esquecer o jantar e se preocupar apenas com o que lhe interessava. Aquele rosto que estava gravado a ferro em seu pensamento, os gestos quase vagarosos e a atenção sublime ao simples ato de mastigar. Aquilo era mais importante que todo o resto, inclusive a comida.

O seu desânimo crescia à medida que os outros clientes iam se agitando com o desenrolar da novela. Ela não se importava com nada, estava vivendo seu próprio folhetim onde pareciam não faltar todos os elementos dramáticos da espera e da paixão. "Mas, paixão? Já?" Ela mesma se espantou com uma pretensa verdade mal disfarçada na sua falta de apetite. Encanto, enlevo, arroubo, talvez até mesmo paixão. Nomes diferentes para um só problema. Ela não queria mais comer. Mas a esse ponto ela conseguia, a duras penas, controlar certos caprichos e ceder a necessidades. "Afinal, eu vim aqui para isso."

E então ela comeu. Devagar, como sempre, talvez mais devagar que o habitual. Desistiu de olhar para a porta a cada 30 segundos e se concentrou no que estava fazendo. A novela acabou e os clientes começaram a sair, até que sobraram apenas ela e os garçons. Naquele momento ela havia recuperado o controle do que acontecia, ela novamente decidia os rumos de sua trama romanesca. E mesmo que ele não viesse, ainda assim ela terminaria seu jantar e não esperaria mais. Voltaria para o hotel e teria outra noite tranqüila de sono, adormecendo com fones ainda presos ao ouvido.

"Mas e se ele vier?"

O apetite cedeu mais uma vez. Uma garfada ficou suspensa no ar. Ela levantou os olhos em direção à porta e o viu. Estava com o mesmo casaco da noite anterior. Como antes ele houvesse entrado no restaurante totalmente desapercebido do ambiente, desta vez ele notou sua presença. Naquele momento ela só atentou para sua chegada, mas minutos depois, relembrando o instante decisivo, entendeu o que seu olhar estava realmente dizendo. Era como se ele houvesse visto algo que não esperava, que não estivesse preparado para ver. Como se quisesse dizer algo, mas as palavras faltavam. E assim ele a olhou outras vezes naquela noite. E numa conversa muda, eles pareciam, aos poucos, se entender.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lembra a conversa das velhinhas de "Rapsódia em Agosto". :)