quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Achado por Srta. Jones

Era a terceira noite em São Paulo. Os dois primeiros dias foram difíceis. Ela sentiu solidão e arrependimento e só o frio aplacava os pensamentos ruins. Sentia um nó cego descendo e subindo pela garganta e às vezes chegando no coração. Mas no fim da segunda noite algo aconteceu e ela esqueceu de tudo.

Havia um restaurante a duas quadras do hotel e ela jantava lá desde que chegara. Só havia dois garçons e era sempre o mesmo que a atendia. Ela escolhia a mesa mais próxima da televisão e esperava a refeição chegar, assistindo a alguma novela ou telejornal. No primeiro dia não havia clientes, mas naquela noite apareceu alguém. Ele estava sozinho e parecia não ser da cidade. Não devia ter percebido nada, pois sentou a três mesas de distância, mas ela acompanhou cada movimento seu da porta até a cadeira. Mesmo que ela não quisesse, não poderia deixar de olhar e não sabia dizer porquê. O jantar chegou.

Enquanto mastigava e ouvia uma notícia na tv ela observava. Ele tinha gestos contidos e não tirava os olhos da mesa. Fosse ela mais ousada iria até ele e se convidaria para sentar, mas ela não tomava certas atitudes. Preferia vê-lo de longe, como sempre fazia. Era como estar num museu e, no meio de objetos sem sentido ou valor, encontrar um quadro de Dalí. Ela contemplaria até seus olhos fecharem de cansaço e suas pernas adormecerem com cãibras. Talvez ela consideraria por alguns segundos falar com ele na saída, e consideraria outras coisas mas, como de hábito, ela não faria nada.

Ele terminou de comer, pagou a conta e saiu. Ela ficou paralisada por uns instantes porque lá dentro do seu cérebro ela ouvia risadas e galhofas contra sua atitude sempre infantil e sempre passiva de achar que certas coisas e pessoas são feitas apenas para serem vistas e nunca tocadas. Ela se comportava como se estivesse sempre naquele museu de bugigangas e um Dalí. Um elefante numa loja de porcelanas, o velho clichê. De novo, as risadas venceram, e ela continuou sentada, vendo televisão.

Quando chegou no quarto do hotel, jogou-se na cama e pensou no que tinha feito. E enquanto decidia se era ou não uma idiota, percebeu que o rosto dele não saía de sua mente, e nem a curiosidade sobre de onde ele tinha vindo. E que, talvez, se ela quisesse muito, ele estaria lá amanhã novamente. E esse pensamento puxou outros e ela dormiu, sem saber se afinal era mesmo uma idiota. Até porque isso não importava.

E no dia seguinte tudo em que ela conseguia pensar era ele. E se iria encontrá-lo de novo, se ele estaria lá. Se ele se sentaria na mesma mesa, ou se, percebendo sua presença, escolheria um lugar mais perto. Ela tomou o café da manhã e leu os jornais e caminhou pela cidade sempre com os mesmos pensamentos. E assim mais uma noite chegou e ela, presa nas divagações, ainda não sabia, mas estava completamente perdida.

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