segunda-feira, dezembro 11, 2006

A Entrevista por Srta. Jones

Estava preparada para a entrevista. Que perguntas deveria fazer, que tipo de resposta esperar, qual a postura que deveria manter durante a conversa. Tinha sido tudo planejado para ser o mais informal possível, mas eu não conseguia deixar de ficar nervosa. Era o trabalho mais importante da minha carreira, quiçá da minha vida. Era tudo ou nada.

Cheguei ao local alguns minutos antes do combinado, mais precisamente vinte minutos antes. Queria conhecer o lugar, sentir a atmosfera, decidir se o ambiente seria favorável ou não às minhas perguntas. Sabia que tudo poderia influenciar as respostas que iria receber.

Ele chegou na hora marcada, com a casualidade de quem espera um amigo para sair pela noite. Estava muito bem vestido, melhor do que eu poderia imaginar. Não parecia em nada com alguém que vinha portando más notícias. Era um homem em paz, sereno, de bem com o mundo e com sua própria consciência. Era a imagem da confiança.

Nos apresentamos, ou melhor, eu me apresentei a ele, e nos sentamos num confortável e imenso sofá do lobby do hotel. O couro branco dava a falsa sensação de que ali havia paz. Mas eu me sentia como uma correspondente de guerra entrevistando um soldado da ONU. Era uma missão oficial e a minha vida pelos próximos dias dependia do que aquele homem tinha para me dizer.

Com a mão trêmula, segurei meu pequeno bloco de anotações e começei a ler a primeira pergunta. O processo todo deve ter levado pelo menos uns cinco minutos, porque quando dei por mim já havia lido as três páginas com todas as perguntas da entrevista. Ele se manteve em silêncio durante todo o tempo, como se estivesse diante de um ritual de imolação e não pudesse fazer nada para interromper. Talvez porque realmente não o quisesse.

Abaixei o bloco e com o que restou de coragem o encarei. Esperava que, no meio daquele turbilhão de palavras e saliva ele tivesse conseguido compreender pelo menos uma ou duas perguntas. Mas o que ele tinha em mente não respondia a nenhuma delas.

"Acabou."

"O quê?"

"É, acabou."

"Mas, como? Vocês não iam sair em turnê no mês que vem?"

"Íamos. O verbo está no passado. Não vamos mais."

"Mas o que aconteceu? Vocês estavam indo tão bem, o disco de vocês está em primeiro lugar e as músicas estão tocando em todas as rádios do país? O que aconteceu?"

"Eu não sei."

"Mas como não sabe? Você é o líder da banda, você tem que saber o que está acontecendo."

"Eu acho que me desinteressei, sabe?"

"Não, eu não sei. Eu realmente não sei."

"Isso acontece, não dá pra explicar. Às vezes a gente pensa que ama uma coisa, que encontrou o caminho certo, mas um dia a gente acorda e vem aquele estalo."

"E o que esse estalo diz?"

"Que a gente tem feito a coisa errada. Que é hora de pôr fim em tudo e começar de novo."

"Mas e os fãs? E os outros membros da banda?"

"Ah, eles não vão morrer por causa disso."

"Você não sabe."

"Claro que sei, se eles viveram antes da gente surgir, por que não podem viver quando a gente desaparecer?"

"Porque vocês mudaram a vida dessas pessoas. Me diz, você viveu boa parte da sua vida sem internet, certo?"

"Um hum."

"E hoje você precisa da internet para fazer várias coisas importantes da sua vida, não precisa?"

"Sim, claro."

"Então suponha que um dia alguém decida que você não vai poder usar a internet, nunca mais na sua vida. Você vai sentir falta, não vai?"

"Vou, mas não vou morrer por causa disso."

"Mas a sua vida nunca mais vai ser a mesma."

"Mas é tudo uma questão de hábito, de necessidade."

"Nem sempre. Você viveu sem isso durante muito tempo mas a partir do momento em que isso começou a fazer parte da sua vida você não consegue mais controlar o quanto precisa disso."

"É, pode ser. Mas dá para viver mesmo assim."

"É claro que dá. Assim como dá pra viver sem uma perna. Mas isso não quer dizer que a perna não faça falta."

"Você tá comparando a banda à uma perna amputada?"

"É, mais ou menos. Se eu perder minha perna hoje, dependendo das circunstâncias e do tempo de recuperação, eu posso sobreviver. Mas nunca mais vou ter o mesmo equilíbrio que tinha antes."

"Mas você pode usar uma perna mecânica."

"Mas não é a mesma coisa. Não é uma perna de verdade, não faz parte de mim. Aquilo não me completa."

"Olha, as coisas não são tão complicadas assim. A banda acabou, do mesmo modo como começou. As coisas acontecem sem que a gente possa realmente explicar. É que nem paixão, ela pode surgir quando você menos espera, e acabar quando você menos deseja. É assim."

"Pois eu acho que não é nada parecido com paixão, porque toda paixão um dia tem que acabar. Pra mim é como amor. Amor só acaba quando a gente morre."

"Nossa, que fatalista. E que romântica."

"Nem uma coisa nem outra. Eu só acho que algumas coisas nessa vida acabam, e outras não. Pra mim o amor não acaba. É que nem energia, não morre, mas se transforma."

"Agora você embolou física com música e amor. E eu duvido que você possa aproveitar tudo isso pra sua entrevista."

"Esqueça a entrevista. Agora que acabou, eu não tenho mais nada pra fazer aqui."

Me levantei, apertei sua mão e saí do hotel. Do lado de fora, a praia me abraçou com seu vento úmido. Peguei o primeiro táxi que apareceu e pedi para ir a qualquer lugar, desde que me tirasse dali. O rádio do carro estava ligado, e uma música começou a tocar. Era a música deles. Uma lágrima desceu o meu rosto, abrindo caminho para as outras que queriam sair. E ali eu tive certeza de que tudo precisava continuar.

"Porque o verdadeiro amor não acaba nunca. E nem a boa música."

Um comentário:

Anônimo disse...

Seu texto me embala como a música da banda que acabou. Eternamente.