segunda-feira, dezembro 31, 2007

Ano Velho por Srta. Jones

Todo ano ela fazia tudo igual. Retirava o excesso de cinismo, diluía em água o sarcasmo e dava férias para o pessimismo. Todo ano ela acreditava que seria, enfim, diferente. Que a mesma esperança que natural e sorrateiramente tomava conta de si teria contagiado seus pares e tornado seus corações e mentes menos endurecidos e egoístas. Todos os anos ela se frustrava.

Não que todos fossem capazes de destruir seu espírito. Mas bastava o mau comportamento de um para tirar-lhe todo o prazer de esperar sempre pelo melhor. E o silêncio dos outros era anuência de que os maus precisavam para arruinar o seu futuro. Mesmo assim, todos os anos, como se esquecesse o fracasso do ano anterior, ela voltava a acreditar. Para ela não havia trauma - ou mesmo má impressão - e ela sempre chegava àquele momento com fé renovada, uma mente apagada de más recordações. E todos os anos ela terminava o dia com o coração dolorido. A garganta fechava e ela queria apenas fugir. Chorar sempre parecia fora de questão, mas com o tempo aquele passou a ser o único dia em que ela se entregava à fraqueza. Era o único fato de sua vida que ainda a tornava vulnerável. E era o que mais se repetia. Todos os anos, todos os dias.

Ignorâncias por Srta. Jones

Quando eu deveria andar na rua despreocupada, segura (de que um meteoro não cairá sobre mim ou que o alvo de uma metralhadora não encontrará o caminho de minha cabeça) e confiante (no fino trato de meus conterrâneos), sou bombardeada com a doença social que tornou todos os moradores desta cidade pacientes eternos e sem cura. Quando, porém, tomo parte em situações de socialização espontânea e descompromissada e mostro minha persona mais amigável, sou presenteada com o desprezo.

Quero atacar as duas faces da ignorância com dois sonoros, doloridos e pulsantes tapas.

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Descrença por Srta. Jones

Tenho pensado muito sobre criatividade. Tanto que esbocei uma poesia sobre o assunto. O poema começava falando sobre bloqueio criativo e seguia até chegar à criação plena. Porém, nos últimos versos, travei. Por caminhos tortos, fui confrontada com as opiniões de que bloqueio criativo é um assunto sobre o qual não se deveria escrever, pois seria um "clichê", e que existem coisas que não valem a pena ser publicadas. O meu pensamento não poderia ser mais diferente.

O maior clichê que existe é o amor. Escreve-se sobre ele o tempo todo (e fala-se e canta-se...). Todo ser humano que já juntou pena e papel versou sobre o tal sentimento, pelo menos alguma vez na vida. Pode ser um poeminha infantil, uma carta pretensiosa de algum adolescente, um livro, um soneto. Obras publicadas ou aquelas linhas que vivem eternamente dentro de uma gaveta ou caderno. E quem seria louco de dizer que não se deve escrever sobre o amor? Se ele acontece todos os dias e em cada quarto vazio ele pode morrer, sempre haverá algo de novo a ser dito. A sua repetição não esgota seu significado - tanto sentimental quanto artístico. Como o bloqueio criativo é o pesadelo de todos que têm necessidade de escrever, por gosto ou profissão, ele é um assunto que nunca se exaure. Não importa se é um clichê.

Em relação à qualidade do que se publica, o problema é ainda mais grave. Questionar a validade de uma obra (ou mesmo de um simples texto de internet) e tentar determinar seu mérito é, em última instância, tentar colocar um filtro no processo criativo. É uma forma artificial de se estabelecer um bloqueio - o grande inimigo de qualquer forma de arte. O papel de definir o que "serve" e o que não "serve" cabe a quem escreve - e esse papel é exercido através do bom senso. A quem lê, resta julgar por termos extremamente pessoais. Imagine se cada um de nós pudesse decidir que obras e quais autores merecem ser publicados - e pudéssemos eliminar aquilo que já estivesse publicado e que não se enquadrasse no nosso conceito de "bom". Mataríamos a herança cultural uns dos outros - porque, ó obviedade, o que é bom para mim não é necessariamente bom para outras pessoas. Sumiriam com os livros de Camus e Nabokov e eu não teria outra opção a não ser queimar as obras de Henry Miller e Saramago. Para os sedentos de sangue e propensos a uma caça às bruxas não há cenário mais atraente. A mim, particularmente, nada disso interessa. Sou apenas mais uma "blogueira" que, com freqüência errática, gosta de colocar um pedacinho do próprio pensamento para que estranhos e amigos possam ler. Sou apenas mais um ser humano que precisa escrever.