sábado, agosto 11, 2007

Do frio por Srta. Jones

Eu tinha o hábito de ficar horas olhando pela janela. Eu queria ver alguma coisa, mas nada em específico - as pernas, os braços, os carros, partes, pedaços de quem passava, uma nesga de calçada, uma aba de chapéu, filetes de um guarda-chuva, pessoas paradas no ponto de ônibus. Minha mãe sempre entrava no quarto e me perguntava o que eu estava vendo. Eu respondia, "nada", e continuava o que estava fazendo. Ela foi muito boa por não ter tomado nenhuma atitude a respeito. Não era nada com que ela devesse se preocupar, afinal. Era só, talvez, um mau hábito. Mau apenas porque cansava minhas pernas e minha coluna - mas isso foi prontamente resolvido no dia em que levei uma cadeira junto comigo antes de começar minha observação diária. Com o tempo, o assento duro de madeira se tornou desconfortável, e eu logo acrescentei uma almofada ao seleto grupo de objetos que me acompanhavam.

Eu vi muitas coisas. Pessoas atrasadas correndo atrás de ônibus, casais de mãos dadas, homens e crianças passeando com cachorros, senhoras carregando sacos de pão e vendedores de canetas. Às vezes podia ver minha mãe chegando do trabalho, ou meu irmão indo se encontrar com alguma de suas namoradas. Via o gato amarelo que teimava em dormir sobre o parapeito externo da janela da vizinha - para sua sorte, ela nunca o pegou. Vi meninas de uniforme andando em grupos de cinco ou seis, sempre sorridentes e pulando, rindo furtivamente, sendo bobas. Vi bêbados que não sabiam como voltar para casa, vi carros de polícia e ambulâncias, lixeiros esvaziando latões; vi o entregador de jornal e o carteiro; um homem louco que às vezes parava em frente ao portão e brigava com um inimigo imaginário. E, algumas vezes, eu via você. O brilho do seu cabelo, tão forte que transportava até mim o cheiro do seu xampu de pêssego. Suas roupas, sempre tão limpas e brancas, sem nenhum amassado; suas pernas compridas e rápidas, subindo e descendo a rua e os degraus. Algumas vezes você cumprimentava minha mãe; noutras, estava com tanta pressa que não percebia ninguém por perto. E acredito que nunca soube que sempre te observei, daquele meu pequeno canto que tanto prezo, e do qual ainda sinto saudades.

Chamam-me do outro cômodo. Preciso ir. Prometo que continuo minha história. Ah, são tantas coisas que eu tenho para dizer. Vi tanta beleza e tanto sofrimento... se ao menos você soubesse. Ah, mas saberá, sim, sim, saberá, pois pretendo contar tudo. Juro que não vou deixar nenhum detalhe para trás. Agora devo ir. Espere por mim. Promete?