sexta-feira, dezembro 21, 2007

Descrença por Srta. Jones

Tenho pensado muito sobre criatividade. Tanto que esbocei uma poesia sobre o assunto. O poema começava falando sobre bloqueio criativo e seguia até chegar à criação plena. Porém, nos últimos versos, travei. Por caminhos tortos, fui confrontada com as opiniões de que bloqueio criativo é um assunto sobre o qual não se deveria escrever, pois seria um "clichê", e que existem coisas que não valem a pena ser publicadas. O meu pensamento não poderia ser mais diferente.

O maior clichê que existe é o amor. Escreve-se sobre ele o tempo todo (e fala-se e canta-se...). Todo ser humano que já juntou pena e papel versou sobre o tal sentimento, pelo menos alguma vez na vida. Pode ser um poeminha infantil, uma carta pretensiosa de algum adolescente, um livro, um soneto. Obras publicadas ou aquelas linhas que vivem eternamente dentro de uma gaveta ou caderno. E quem seria louco de dizer que não se deve escrever sobre o amor? Se ele acontece todos os dias e em cada quarto vazio ele pode morrer, sempre haverá algo de novo a ser dito. A sua repetição não esgota seu significado - tanto sentimental quanto artístico. Como o bloqueio criativo é o pesadelo de todos que têm necessidade de escrever, por gosto ou profissão, ele é um assunto que nunca se exaure. Não importa se é um clichê.

Em relação à qualidade do que se publica, o problema é ainda mais grave. Questionar a validade de uma obra (ou mesmo de um simples texto de internet) e tentar determinar seu mérito é, em última instância, tentar colocar um filtro no processo criativo. É uma forma artificial de se estabelecer um bloqueio - o grande inimigo de qualquer forma de arte. O papel de definir o que "serve" e o que não "serve" cabe a quem escreve - e esse papel é exercido através do bom senso. A quem lê, resta julgar por termos extremamente pessoais. Imagine se cada um de nós pudesse decidir que obras e quais autores merecem ser publicados - e pudéssemos eliminar aquilo que já estivesse publicado e que não se enquadrasse no nosso conceito de "bom". Mataríamos a herança cultural uns dos outros - porque, ó obviedade, o que é bom para mim não é necessariamente bom para outras pessoas. Sumiriam com os livros de Camus e Nabokov e eu não teria outra opção a não ser queimar as obras de Henry Miller e Saramago. Para os sedentos de sangue e propensos a uma caça às bruxas não há cenário mais atraente. A mim, particularmente, nada disso interessa. Sou apenas mais uma "blogueira" que, com freqüência errática, gosta de colocar um pedacinho do próprio pensamento para que estranhos e amigos possam ler. Sou apenas mais um ser humano que precisa escrever.

2 comentários:

Nanda Mota disse...

Eu sou um clichê. Já escrevi sobre o amor, embora não de forma romântica. Muitos finais anti-climáticos saíram das minhas canetas ou foram teclados por esses dedos, levando os outros a pensar que meu coração estava quebrado de vez. Já escrevi sobre o bloqueio de escritor, da falta de inspiração, por pura pretensão, até internalizar aquela idéia (igualmente clichê) de que, mesmo por gosto, quem quer escrever de verdade tem que labutar em cima das palavras até esculpi-las sob a forma de um texto do qual possa se orgulhar. Sejam contos, crônicas, poesias ou coisa que o valha. Textos são, sim, obras de arte. O clichê, senhorita, não o ignore... Assim como qualquer outro tema, é um ponto de partida válido. Tudo depende de como você o manipula, de como você a ele dá vida. Quem sabe, de um clichê supostamente irrelevante e repetido ao infinito, não surja uma nova interpretação genial? Nunca se sabe... ;)

Anônimo disse...

Desculpe a falta de cavalheirismo da sigla chula, mas PQP. Esse é um dos melhores textos que eu já li em toda a minha vida.